sexta-feira, junho 22, 2007

Justificando

por Keissy Carvelli


Quando minhas mãos procuram sós por palavras, e derramam sobre um pedaço de papel letras reorganizadas deixo minha outra face mostrar sua identidade; assumo meu oposto obscuro, minhas alegrias dispostas num súbito refúgio de mim mesmas, traço meus medos sem ousar sequer soltar um ruído. Sou feita de piadas prontas e bem diluídas para quem vê, sou constituída de risos e sarcasmos entre uma ou dez pessoas, sou o velho palhaço de circo pintando a cara para me tornar o alvo sem crase, nem fase. Sou a noite estrelada nos olhos de quem ouve, sou a chuva ácida descendo na garganta de quem lê; sou o cristal líquido e amargo no rosto de quem sente, na mão de quem aprecia, no tempo de quem faz. Encaixar-me-ia bem no segundo tempo romântico, chamado de Mal do Século; seria amiga das angústias de Álvares de Azevedo, companheira das melancolias, desafetos e desamores; seria a escrita suja do bar da esquina, seria o poema depressivo dos últimos segundos do dia. Encaro minhas outras maneiras aqui, nestas linhas redigidas a mão livre; suporto e desprendo meus exageros nessas sinestesias, nessas hipérboles, nessas literaturas. Somente em cadernos velhos sou o inteiro numa parte só, somente em retratos literais sou meu medo de mim, meu receio alheio, minha fé dobrada. Só enquanto deslizo a caneta em movimentos acelerados sou o que ninguém pode ver, sou o instinto dissimulado, a penumbra sob o sol. E é só assim, depois de tantos nós que desato o riso, o piso e a maldição. Posso então, continuar sendo a mesma pelo sol, e o oposto pela lua.

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